EDUCAÇÃO

Mikay: fim do mundo e esperança na arte indígena 



Por André de Araújo Lima. 13/08/2024

Guerra. Eis a única palavra capaz de definir séculos de uma história de opressão e mais uma vez, genocídio dos povos indígenas brasileiros. Deuses e deidades do além-mar naufragaram corpos imundos em solo de mil povos, num instante, milênios de um delicado processo de equilíbrio natural abririam uma ferida permanentemente exposta ao holocausto-apocalipse indígena. Em nome de Deus, do progresso e da arrogante imponência dos impérios portugueses e espanhóis, matas, mulheres e tradições jogadas ao escarro e a lama das civilizações.

De qual humanidade ainda falamos? Há ainda um outro futuro no lugar daquele rio, montanha, terra? Milhões de indígenas foram reduzidos a milhares, um mundo invadido e tomado por outros que não enxergam os outros. São por estas trágicas vias que o filósofo Ailton Krenak nos apresenta sua visão do que foi a conquista das terras indígenas pelos portugueses, uma conquista forjada pela usurpação, roubo, aniquilação e sangue. Ideias para adiar o fim do mundo é a proposta do seu livro que, também como no documentário Guerras do Brasil, exibido na Netflix, nos apresenta o ponto de vista dos povos originários brasileiros sobre a invasão portuguesa e sua permanência incompatível em suas terras.

Para o autor o homem branco ainda não se contentou com sua pretensa dominação da natureza. Sua sede pela terra e seus recursos o cega de uma autêntica vida em harmonia com as forças vitais. Na percepção de Krenak: 

Devíamos admitir a natureza como imensa multidão de formas. Cada pedaço de nós que somos parte de tudo. 70% de água e um monte de outros materiais que nos compõem. E nós criamos essa abstração de unidade, o homem como medida das coisas, e saímos por aí atropelando tudo, não convencimento geral até que todos aceitem que existe uma unidade com a qual se identificam, agindo no mundo à nossa disposição, pegando o que a gente quiser. Esse contato com outra possibilidade implica estudar, sentir, cheirar, inspirar, expirar aquelas camadas do que ficou fora de comum “natureza” mas que por alguma razão ainda se confunde com ela. (KRENAK, 2019, p 69).

Os tortuosos e torturantes caminhos a que levaram as comunidades indígenas do país a beira da extinção nos fazem perceber que as raízes de sangue desta história também, ressoam no espaço da escola, em seu currículo e nas práticas pedagógicas que invisibilizam os povos indígenas dos processos de construção de uma educação para as diversidades. Exemplo disto são os currículos de instituições educacionais que ainda não propõem uma oferta de conteúdos ou práticas curriculares que contemplem a comunidade indígena local.

Cultura do esquecimento? Massacre pelo progresso a qualquer preço vão a cada instante promovendo lucros e o genocídio avança, derrubando árvores, homens, pensamentos. É essencial que pensemos nos aspectos transdisciplinares na escola que permitam subverter a lógica da produção capitalista, visão do progresso como salvação, mas tal salvação continua sendo a de uma pequena elite enquanto corre a destruição de outros mundos possíveis.

Como construir uma luta com alianças heterogêneas, por uma coalisão pela sobrevivência dos povos originários?

De que forma o progresso instituído e representado pela figura do homem branco pode oferecer recursos e segurança aos povos indígenas de modo a adiar o fim dos mundos? E ainda, como possibilitar que este caminho seja vivido por estudantes e professores no contexto do ensino da arte? Krenak nos mostra que essa aliança está, mesmo longe de ser alcançada, possibilitando hoje às comunidades indígenas uma visibilidade que antes não havia no país, fruto de um árduo processo de desmistificação da imagem do índio como sujeito fora do acordo civilizacional, assim como o próprio Krenak podem usar sua voz para ecoar outras vozes numa denúncia sistemática sobre o outro lado das guerras de conquista e das atuais guerras de apaziguamento entre civilização e os direitos dos povos originários. 

Uma destas vozes que hoje ecoam o drama e a vida dos povos indígenas brasileiros é o trabalho artístico de Arissana Pataxó, que nos provoca em sua obra intitulada “Mikay” a pensar no que é ser indígena no Brasil atual, notadamente uma resposta afiada em formato de facão com uma pergunta à civilização da barbárie: o que é ser índio para você? Arissana nos remete à outras mulheres indígenas que lutam por suas tradições em meio ao caos da monocultura, da ganância e da especulação econômica, entre elas a índia Tuíra, que em 1989 esfrega seu facão contra a face de um dos representantes do estado amazonense. Seu gesto reverbera ainda em nossa cultura, estremecendo as oligarquias e as políticas de desfazimento dos direitos indígenas, a exemplo do marco temporal, a PL 490, que permite, por exemplo o contato com indígenas isolados caso haja “utilidade pública”(inteiro teor do projeto pode ser acessado aqui.)



Como citar:

Para citar esta página do site Sonhos entre Pedras como fonte de sua pesquisa, utilize o texto abaixo: LIMA, André Luiz de Araújo. O instinto e a racionalidade na arte, 2023. Disponível em: <https://www.sonhosentrepedras.com.br/a-racionalidade-e-o-instinto-na-arte/>. Acesso em 03 Ago. 2023.

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